Ao Bruno, que escreve sem ser escritor





É sabido, desde – num horizonte pouco Ocidental – Platão, a tarefa difícil da escrita. Vive-se numa solidão e, no entanto, nunca se está só.  É uma solidão essencial: para se encontrar lá onde o limite do outro já soa como um passo incerto kafkiano. A propósito, Kafka dizia da escrita, na sua juventude, ser a tarefa que mais lhe ocupava. Passava noites em claro, buscando não a técnica máxima, essa que atrasa o escrito, mas antes o despir-se de toda angústia. Kafka foi e se viu ingênuo, pois, a escrita não aniquila a dor, ela aumenta, solapa e acompanha a dor. A escrita é a dor. Doer significa o toque indesejado, não materializado no sujeito já espiritualizado; aquele que escreve, em verdade, se inscreve incessantemente. A marca, o registro do autor nada mais é que sua falta, sua ausência transposta e ignorada: o que escrevo não me pertence, isto é, me pertence enquanto punho que se debruça sobre o papel, fora dessa realidade o resto é ficção, é leitura. O escritor lê seu próprio escrito depois de – ênfase no futuro messiânico – perder contato com o processo de escrita, aí, então, entra em cena o outro, que pode ser tanto aquele que se despediu da escrita quanto aquele que nunca chegou a escrever – o leitor. Bruno Aurélio, nesse sentido, é alguém que escreve sem ser um escritor: ele é um leitor. Não é possível escrever sem ter (se) lido antes. Bruno lê, no choque que sua visão irrompe com o real, o que mais existe de sórdido e belo, e conjuga, de lápis em punho, o que tem de sério e circo (para lembrar Drummond). O vemos crer no fantástico, no imaginário febril, e mesmo assim a realidade não cessa de se fazer presente no mais absurdo: é Kafka colhendo flores que nunca poderiam ter sidas originadas no asfaltado. Lembremos: há esperança, mas não para nós. Te diria, Bruno, há futuro na escrita, mas não para nós, isto é, a escrita não nos quer, mas só a ela o futuro pertence, e sem nós não há escrita. Continue escrevendo, amigo.