Roma lê epicédio

coisa pequena é o homem
nasce sem pedir e grita porque nasceu.
o grito é o primeiro grande ato
é a primeira grande angústia de um pequeno homem.
nasceu no Brasil, Roma não sentiu.
coisa pequena é o homem.
coisa pequena é o Brasil.
é registrado, é processado, é codificado: é homem.
é levado, é vestido, é tratado, é nomeado: é homem.
é mensurado, é impelido, é configurado: é homem.

Roma não sentiu.

é noticiado nos bares, restaurantes, jantares. é descoberto.
é homenageado, agraciado, louvado.
seu futuro é desenhado pelas mãos sujas progenitoras.
sua maciez é tocada pelas mãos ásperas lacrimejantes.
seus ouvidos são vítimas de murmúrios, mas – por sorte – não atingi a mente oca.
depois da alfândega, eis o mundo no homem.  
é gente entrando e saindo, é telefone tocando e parando: é homem.

Roma não sentiu.

já pode andar, mas insistem que deite. o homem obedece.
deita-se na ferrugem, se cobre de ornamento e chora.  
a janela em aberta reflete as guerras, a fome e os corpos.
coisa pequena é a janela.
no choro o pesar, que pesa a etiqueta.
nasceu de um átimo de amor e virou homem.

Roma não sentiu.

escolarizou-se, adaptou-se, acomodou-se: é homem.
inquietou-se, regojizou-se, nomeou-se: homem!
comeu caruru à capeleti e bebeu a fonte do vinho.
sentiu o gosto do dele, sentiu o gosto dos outros.
viajou o Brasil, conheceu as pontes, os muros, as ruas intermináveis.
conheceu sua prisão, buscou sua liberdade: viu-se homem.
assistiu ao mundo pelo vidro, comeu o vidro pelo mundo.
calçou o Brasil e foi pra rua, o Brasil descalço o reprimia.

Roma sentiu. agora é tarde.

nasceu, de novo, o homem: nasceu morto.
nasceu por pedir, nasceu calado.
o silencio é o primeiro grande desvairo
é a primeira grande arma de um pequeno homem.
coisa pequena era Roma.

nasceu no vazio. o homem não sentiu.